quarta-feira, 17 de maio de 2017

Grupos de discussão de Novo Mundo e Os Dias Eram Assim constatam: o brasileiro desconhece a própria história



Os resultados dos grupos de discussão de duas novelas da Globo, "Novo Mundo" e "Os Dias Eram Assim", mostraram a dura realidade da educação no Brasil: o povo brasileiro desconhece a própria história. As tramas até foram elogiadas pelos participantes, mas a parte histórica...

As duas novelas enfrentam realidades opostas na audiência: enquanto a novela das 6 vai bem no Ibope, a novela das 11 supersérie naufraga na audiência, batendo um recorde negativo atrás do outro. Devido a esse fato, o grupo de discussão de "Novo Mundo" foi adiado e o de "Os Dias Eram Assim" antecipado.

Imagem relacionadaCom isso, ficamos sabendo que o brasileiro não entende lhufas de algo que ocorreu recentemente: a Ditadura Militar (1964 - 1985). Nesta época, o Brasil não tinha eleições diretas para presidente, apenas militares assumiam este cargo, não podiam existir outros partidos além do Arena (o governo) e o MDB (a "oposição"), deputados que se opusessem ao regime eram perseguidos, assim como pessoas comuns, como os personagens Renato (Renato Góes), um médico simpático à democracia, e seu irmão Gustavo (Gabriel Leone), um militante de esquerda, com o primeiro tendo que se exilar no Chile para não ser preso e torturado como foi o segundo.

Daniel Castro detalhou em seu site Notícias da TV que os telespectadores ouvidos sabem pouca coisa desta época, muito baseado no que seus pais e avós contavam, e não tinham noção da truculência, da forte censura, da tortura, das mortes, dos desaparecimentos não solucionados até hoje e do exílio forçado (ou voluntário) dos opositores. Mas ao menos uma boa notícia: eles demonstraram interesse em saber mais sobre o assunto. Pena que seja apenas pela novela supersérie, e não por livros, filmes ou documentários que tratam disto. É quase a mesma coisa que diz um depoimento recebido por nós de uma noveleira anônima de meia idade:

"Olha, eu vejo essa nova novela aí de vez em quando porque acaba muito tarde. Eu gosto daquele menino que faz o Renato e da Alice, eles formam um casal bem bonito. No começo eu não entendi nada, sei que eles vão falar da ditadura, tem até uns comunistas lá, mas eu não entendo direito, a única coisa que me lembro da época é que meu pai vivia falando que comunista comia criancinhas e que eu era obrigada a cantar o Hino Nacional na escola todo dia antes das aulas. Parece que torturaram umas pessoas aí, até passaram umas cenas de gente sendo torturada, mas meu filho falou que é tudo mentira da Globo e que os militares não prendiam gente de bem, aí eu fiquei mais tranquila. Eu até queria saber mais sobre o assunto, mas só tem nos livros de história e ler é muito chato, minha mente é muito cansada e eu nunca prestava atenção nas aulas de História, sempre dormia (risos). Acho que vou ver mais a novela, esses assuntos são sempre muito interessantes e eu quero ver o que Alice vai fazer quando Renato voltar".

A consequência imediata foi a inserção de cenas explicando melhor os anos de chumbo. Uma delas, a da professora universitária Natália (Mariana Lima) debatendo com seus alunos o contexto da época, foi escrita logo após a divulgação do resultado aos autores, sendo feita toda num mesmo dia, 7 de maio (um domingo). Também foram incluídas cenas mostrando a relação do personagem Arnaldo (Antônio Calloni) com os militares, já que ele representa os empresários que apoiaram o regime, e a explicação do significado da frase "Brasil: Ame-o ou deixe-o", que ironizava os opositores forçados a se retirar do próprio país.
Obviamente, a Globo não vai falar do seu papel na consolidação do Golpe Militar, muito menos da tentativa de esconder as primeiras manifestações pelas eleições diretas.
A novela supersérie também terá uma passagem de tempo, mostrando a anistia, o retorno de muitos exilados e a redemocratização ocorrida após as manifestações pelas eleições diretas, em 1984. Assim, o personagem Gustavo será libertado, Renato voltará do Chile e se reencontrará com Alice (Sophie Charlotte) no meio de uma dessas manifestações da Diretas Já.

Resultado de imagem para novo mundo novela família realE finalmente, os resultados do grupo de discussão de "Novo Mundo" foram divulgados. Como previsto, os personagens e a trama receberam elogios, mas os participantes confessaram não saber nada a respeito dos acontecimentos que permearam a Independência do Brasil. Segundo Daniel Castro, alguns telespectadores sequer sabiam que o Brasil foi colônia de Portugal e até pensaram que a novela ia falar do Descobrimento e ter Pedro Álvares Cabral, por causa das caravelas que apareceram no começo da novela.

Um depoimento de uma jovem noveleira anônima mostra bem isso:

"Ai, eu A-M-O Novo Mundo! Ainda mais sabendo que meus favs tão na novela, né? Joaquim, Pedro e Piatã são os mais gatos, e eu tô shippando muito Annaquim! Só não entendi direito esse lance dos índios e das caravelas, minha mãe até achou que iam falar do Cabral, me perguntou quem era ele na trama, ela é muito burra, óbvio que Cabral não aparece agora porque foi ele que fez a proclamação da república!"

Quem estudou história (ou pesquisou isso no Google) sabe que com a vinda da Família Real ao Brasil em 1808, nosso país, que era até então colônia portuguesa, foi elevado a reino, ganhando um status maior. Mas isso, além da crise provocada pelo fim do pacto colonial que dava a Portugal a exclusividade no comércio daqui, acabou desagradando os portugueses, acarretando na Revolução do Porto. Após este episódio, ocorrido em 1820, a Família Real Portuguesa teve que retornar ao país europeu para organizar as coisas. Apenas Dom Pedro ficou no Brasil, na qualidade de príncipe regente, mas a pressão para que ele retornasse à Europa e tornasse o Brasil colônia novamente era muito grande, não só de portugueses como o General Avilez (Paulo Rocha), como também de muitos brasileiros. Mas Dom Pedro decidiu ficar no Brasil, anunciando a todos essa decisão (daí o famoso Dia do Fico, em 9 de janeiro) e depois, quando o clima ficou ainda mais insustentável, ele proclamou a Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822.

"Novo Mundo" também terá mudanças, só que pequenas. Algumas chamadas serão divulgadas esclarecendo ao público que a novela fala da Independência do Brasil, para que não reste mais dúvidas quanto a isto.

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Ambos os períodos históricos já tinham aparecido anteriormente em novelas e séries, não só da Globo, como também de outras emissoras. Uma delas foi a novela "Amor e Revolução", de 2011, escrita por Tiago Santiago, que também tratou do Regime Militar e da luta armada, com a história de amor entre o militar José Guerra (Cláudio Lins) e a guerrilheira Maria Paixão (Graziella Schmitt). Outra série famosa da Globo que se passava nesse período era "Anos Rebeldes", em 1992, que trazia o jovem João Alfredo (Cássio Gabus Mendes) dividido entre a militância política e o amor de Maria Lúcia (Malu Mader). E recentemente, vimos que as primeiras fases de "Senhora do Destino", com reprise no Vale a Pena Ver de Novo, e de "Tieta" com reprise no Viva, se passavam em 1968, mais precisamente no fatídico dia 13 de dezembro, quando foi promulgado o AI-5, que recrudesceu o regime e intensificou a perseguição a opositores, tirando deles algumas garantias constitucionais como o habeas corpus. A novela de 2003 mostrou a agitação ocorrida nas ruas do Rio de Janeiro após o anúncio do ato institucional, com Maria do Carmo (Carolina Dieckmann) e seus cinco filhos tendo que se virar no meio de um confronto entre manifestantes e a polícia. Já a segunda não aborda especificamente o episódio, por focar na expulsão da jovem Tieta (Claudia Ohana) de sua casa, mas tem um momento que traduz todo o sentimento de quem sofreu nas mãos do regime: Zé Esteves (Sebastião Vasconcelos) arranca a folhinha daquela data do calendário e diz: "Faz de conta que esse dia nunca aconteceu".

Resultado de imagem para independência ou morte filmeJá os acontecimentos anteriores à Independência foram abordados na minissérie "O Quinto dos Infernos", em 2002, que também abordou a fuga da Família Real portuguesa ao Brasil e os desdobramentos da Independência, e também em filmes como "Independência ou Morte", de 1972, estrelado por Tarcísio Meira (Dom Pedro I) e Glória Menezes (Marquesa de Santos). Sobre o filme, uma curiosidade: estudiosos apontam que os militares usaram deste longa dirigido por Carlos Coimbra como propaganda do regime, com um trecho do filme (a cena do grito) sendo utilizado num comercial em 1972 pela Agência Nacional de Propaganda (veja mais aqui). O fato é que o filme bateu recorde de público na época, atraindo mais de 2 milhões de telespectadores, feito que só viria a ser superado quase trinta anos depois.

Como podem ver, o brasileiro não tem memória. Assim como se esqueceu da Ditadura e das razões que levaram à Independência, também esqueceu dessas produções que trataram desses assuntos e certamente vai esquecer do que falavam "Novo Mundo" e "Os Dias Eram Assim" tempos depois que essas novelas acabarem. Tal ignorância tem diversos fatores, incluindo econômicos e sociais, e é bastante perigosa, por possibilitar que grupos com diversos interesses possam deturpar os fatos e propagar inverdades sobre esses períodos, como vem ocorrendo com a Ditadura Militar.
E é exatamente o que fazem os apoiadores de Jair Bolsonaro ao afirmar que não havia corrupção durante o regime militar, que a tortura é invenção da esquerda e que só esquerdistas desordeiros eram perseguidos.
Moral da história: VOLTA TELECURSO!